Posição AP2SI relativa a atividades de monitorização dos cidadãos em contexto do ciberespaço

Introdução

O avanço das Tecnologias de Informação e Comunicação nas últimas décadas trouxe, sem qualquer dúvida, tremendos benefícios à Sociedade, permitindo-nos agilizar a troca de conhecimento entre indivíduos, organizações, empresas e muitos outros grupos com interesses comuns utilizando a infraestrutura conhecida como ciberespaço.

No entanto, como qualquer tecnologia, o ciberespaço pode também ser permissivo a atividades hostis e utilizado para a prossecução de fins desalinhados e danosos para com as liberdades, direitos e garantias de cada um de nós.

Neste sentido, é necessário dotar as entidades que arduamente trabalham na manutenção da lei e segurança de competências, mecanismos e enquadramento jurídico que lhes permita realizar, também no ciberespaço, as suas funções de garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática. Estas funções devem exercer-se nos termos da Constituição e de um quadro legislativo adequado de forma a garantir condições para a proteção da vida e a integridade das pessoas, a paz pública e a ordem democrática.

Numa altura em que em Portugal, a par de vários países, se debatem alterações legislativas com potencial para colocar em causa os direitos dos cidadãos através do abuso de autoridade, vigilância massiva e indiscriminada ou criando condições que possam ser exploradas por atores hostis, a Associação Portuguesa para a Promoção da Segurança da Informação (AP2SI) torna pública a nossa posição relativa a estes temas.

Posição

1. Apoiamos uma atuação política no sentido de apoiar o combate ao crime, seja qual for a forma que tome, os locais onde ocorra ou os meios que utilize.

2. Entendemos que a atuação das forças da lei e segurança aos desafios colocados pela utilização do ciberespaço pela sociedade deve reger-se pelos princípios constitucionais existentes atualmente e que as normas que na ordem jurídica portuguesa consagram e tutelam direitos, liberdades e garantias são plenamente aplicáveis no ciberespaço, tal como referido na Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital. 

3. Entendemos que que num Estado de direito democrático, respeitador das normas e direitos fundamentais, não é admissível a utilização de mecanismos jurídicos, tecnológicos ou outros que: obriguem entidades fornecedoras de serviços a realizar recolha, análise ou guarda de dados ou metadados referentes à vida de qualquer cidadão, de forma massiva e indiscriminada, para fins de investigação criminal ou análise por serviços de informações sem que haja indícios fundados de preparação de atividade criminosa ou de perturbação séria ou violenta da ordem pública. Tal obrigatoriedade de recolha e análise de informações, de forma massiva e indiscriminada, não acontece na prestação de serviços no mundo físico, não devendo existir nos serviços online apenas porque tal é possível.

4. Opomo-nos à utilização de mecanismos jurídicos, tecnológicos ou outros que de alguma forma proíbam, quebrem ou visem enfraquecer os mecanismos de cifra utilizados na proteção das comunicações com o intuito de facilitar a sua interceção e análise. Este tipo de mecanismos apenas serviria para enfraquecer a confiança dos cidadãos nos serviços online podendo colocar em risco a sua própria segurança, uma vez que podem também ser explorados por atores maliciosos em benefício próprio.

5. Opomo-nos à utilização de mecanismos jurídicos, tecnológicos ou outros que visem a criação de acessos não documentados a software e hardware (vulgo backdoors) para uso exclusivo das forças da lei e segurança. Nos mesmos moldes do ponto 4, entendemos que não é possível obter garantias que este tipo de acessos não possa ser utilizado por actores maliciosos, sendo o risco para o cidadão mais elevado que quaisquer benefícios que possam advir deste tipo de medidas.

7. Aceitamos a utilização de mecanismos jurídicos, tecnológicos ou outros que autorizem a exploração de vulnerabilidades existentes em software ou hardware com o intuito de aceder a dados, comunicações, ou dispositivos de indivíduos, quando exista autorização ou validação da entidade judiciária competente. Entendemos que deve ser possível este tipo de actuação e que esta deve ocorrer com um nível de supervisão que impeça a utilização abusiva de tais mecanismos.

8. Condenamos de uma forma geral, a implementação de quaisquer medidas que visem o enfraquecimento ou aproveitamento das tecnologias de informação e comunicações de formas que violem ou possam colocar em causa os direitos constitucionais dos cidadãos, perante o Estado ou quaisquer outros actores. As soluções estudadas devem ser sujeitas a uma análise dos riscos que possam trazer para o cidadão e que o legislador deve suportar esta análise no conhecimento existente na sociedade.

9. Apoiamos um investimento público adequado por forma a dotar as forças da lei e serviços de informações, que arduamente trabalham para manter a nossa segurança, de ferramentas modernas e adequadas bem como das competências necessárias à realização do seu trabalho, sem que para tal seja necessário colocar em causa os direitos digitais dos cidadãos.

Conclusão

Os problemas do Século XXI necessitam de soluções do Século XXI.

Entendemos que é obrigação do Estado Português, na figura dos seus legisladores, assegurar um quadro legislativo adequado e proporcional. Para tal exortamos a um diálogo informado, multidisciplinar e inclusivo que leve a uma aproximação baseada no conhecimento de todas as partes interessadas. Apenas desta forma será possível encontrar um caminho transparente, adequado aos desafios modernos, respeitador dos direitos digitais e que assegure que o cidadão, o seu bem-estar e a sua segurança se mantêm o centro da questão.

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